Ele veio para Londres em 1995, trabalhou como courier durante 6 anos, mas batalhou para ter mais. E conseguiu. Hoje, aos 30 anos, é dono da Ginga Brasil, produtora musical; da Sabor e Cor, loja de produtos brasileiros, e ainda vive pra cima e pra baixo organizando eventos para a comunidade made in BR que mora em Londres. “Você tem que deixar a sua digital no planeta. Quando você for embora, ele tem que estar melhor”, diz. Alguém tem alguma dúvida de que ele já está fazendo isso?
CHEGADA EM LONDRES
“Nasci em São Bernando do Campo, São Paulo, mas cresci em Minas Gerais. No dia 12 de Agosto de 1995 vim pra Londres. Trabalhei limpando uma pista de patinação, depois ia direto para uma obra carregar saco de areia e quebrar parede. Quinta, sexta e sábado à noite era auxiliar de barman, repondo drinks e coletando copos. Era estranho porque eu saía da obra e tinha que colocar uma camisa branca, arrumar o cabelo e trabalhar no bar. Tinha 21 anos e além de trabalhar também queria aproveitar. Quinta, sexta e sábado eu dormia 1 hora e meia por noite. Domingo à noite estava no Café do Brasil, em Covent Garden, segunda ia pro Bar Madri, terça pro Salsa e quarta estava sempre conhecendo um lugar novo. Fiquei fazendo isso por 1 ano.
Nesse tempo juntei grana pra comprar minha primeira moto e comecei a trabalhar como courier. Mas minha moto era horrível, consumia muito óleo. Eu dava a volta no quarteirão e quando chegava de onde tinha saído ainda dava para ver a fumaça branca do óleo queimado. Depois de uma semana a moto fundiu. Tive que voltar pra obra pra juntar dinheiro e comprar uma moto melhor.
Levantei a grana e entrei de cara no courier. Colocava o mapa de Londres no tanque da moto e quando parava num sinal tentava achar onde eu estava e pra onde tinha que ir. Eu não conhecia nada de Londres! Ainda por cima trabalhava com rádio, sem falar inglês muito bem.
Depois fui trabalhar num laboratório fotográfico, também como courier. Isso despertou ainda mais minha paixão por fotografia. Fiz um curso de fotografia no Westminster College durante 1 ano. Comprei uma máquina maneira e que impressionava. Sempre tive uma paixão por backstage de show de música. Como nunca tinha grana no Brasil, sempre dava um jeito de estar lá dentro, e por curiosidade, sempre entrava no backstage. Trabalhei para algumas publicações brasileiras em Londres como fotógrafo. Conheci muita gente dessa área. E foi aí que decidi que queria trabalhar com música e produção.
PRIMEIRO EVENTO
“Num churrasco vi esse cara de Minas tocando violão. Nessa época não tinha nada em termos de diversão em Londres pra esse pessoal de Goiás e Minas Gerais. Trabalhando de moto, eu tinha um break na hora do almoço. Fui até um bar em Willesden Green e perguntei se o gerente não queria fazer uma festa. Ele disse que não. Claro, eu cheguei ali sujo de graxa, todo descabelado. Não desisti. Fui num segundo pub, dessa vez eu estava mais arrumadinho. Disse para o dono que eu era um produtor musical e que gostaria de fazer uma festa com música tradicional brasileira ali. Ele aceitou na hora. A festa ganhou o nome de Bailão Sertanejo.
Sem noção do que era fazer uma festa, marquei esse bailão sertanejo com somente 45 dias de antecedência! Fiz o flyer da festa e a Lia fez um quadro de um lindo pôr-do-sol para ser usado no background do pub. Não calculei na hora nenhuma os custos, pois tinha meu dinheiro guardado e poderia usá-lo para cobrir os custos da festa.Tive que juntar uma banda do nada em menos de 45 dias. Virei à noite escutando música que a galera poderia ouvir. A Viviane, minha namorada, me ajudou muito. Pela razão, nada daria certo, mas mesmo assim ela sempre me deu apoio.
Consegui o Fábio, um amigo courier, que perdeu a perna num acidente de moto, para tocar berrante. Tinha muita gente chorando de emoção durante o bailão. Juntei 450 pessoas nesse meu primeiro evento em Londres. A festa durou uns 2 meses, sempre às quintas.
Parei de fazer esse evento e fui para Camdem Town, onde fiz a inauguração do Second Intentions, que acontecia no bar WKD e tinha pastel de feira, coxinha e música brasileira. Tocávamos MPB e depois pop rock nacional. Começava calminho depois bombava. A festa ainda oferecia o Projeto Talento, onde novas bandas e novos artistas tinham espaço para expor seus trabalhos. Tive o apoio do Cássio, gerente do WKD, e do Rafa, que hoje é gerente do Made in Brazil. Ambos me ajudaram pra caramba. No meio do caminho conheci o Renato Lima, que começou a fazer os flyers das minhas festas.
Foi nessa época que conheci o Henrique Pio, Carioca, que como eu era um grande sonhador. Não tinha grana nenhuma, mas acrescentou muito com idéias. Criamos juntos o Cosmopolitan Festival, festa mensal sempre dedicada a um tema diferente: música, dança, poesia, fashion designers, circo, teatro uma festa ao ar livre dedicada à “arte de ser brasileiro”. Esse festival tinha como objetivo criar interação entre culturas. Acho que as pessoas de diferentes culturas não se respeitam porque não se conhecem, mas quando você mostra outras culturas, as pessoas se respeitam mais.
O slogan era “Muito mais que uma festa”. As pessoas saíam de lá com uma explosão de culturas! Ótimos artistas, como o Ponciano e o Casquinha, do Grupo Cordão de Ouro, o Grupo Samburá e o Anselmo Netto entre outros, me deram uma força enorme, se apresentando de graça.
MUDANÇA TOTAL
Eu não estava mais conseguindo conciliar o courier com os eventos culturais. Tava muito mal, cansado. Foi então que parei tudo e fui pro Brasil. Tive que passar um período lá para recarregar a bateria e dar uma repensada na vida.
Quando você trabalha com cultura a recompensa é mínima em grana. Minha conta telefônica era imensa e não tinha apoio nenhum. Voltei do Brasil decidido a parar. Mas cada vez que eu queria parar a coisa crescia. Várias pessoas me procurando para organizar eventos. Eu não cosegui parar e graças a Deus não parei.
O Ady Harley, diretor da Ether Music, que conheci na época do Cosmopolitan Festival, me convidou para trabalhar com os artistas da Trama - Jair Oliveira, Wilson Simoninha, Patrícia Marques e Otto, - durante o Brasil 40° na Selfridges e depois com a Fernanda Porto e o Ed Motta. E foi muito bacana fazer esse trabalho de produção de palco, cuidar dos artistas. E agora está pintando uns freelances, uma possibilidade de ser tour manager e viajar com os artistas pela Europa.
NOVOS PROJETOS
Acredito que as idéias aparecem na minha cabeça e na cabeça de outras pessoas ao mesmo tempo. Eu queria fazer um torneio de futebol. Conversando com a Gianna Toni, da revista Jungle Drums, descobri que ela tinha a mesma idéia. Isso tornou a coisa maior do que imaginávamos. A Active UK, que cuida dos eventos da Nike, topou nos ajudar na organização da estrutura esportiva do Peladão Jungle, como resolvemos chamar o torneio. Estamos esperando até 5 mil pessoas.
Junto com isso veio o Mike Biggs (ex -Balão Mágico), que me chamou para fazermos um evento, que vai rolar no primeiro sábado de cada mês em Vauxhall. Vai ser um evento bem Brasil e o melhor, vai ser de graça. A inauguração vai ser no domingo depois do torneio de futebol, três ônibus double decker vão levar a galera para a festa. Vamos inclusive sortear passagem aérea pro Brasil, cortesia da Varig.
Em paralelo, fiz uma sociedade com a minha namorada, a Viviane, e abrimos o Sabor e Cor há um ano (Grosvenor Gardens, Subsolo Victoria – London SW1W 0BP Tel: 0207 233 9686), loja de produtos brasileiros. Quem cuida da loja é ela, que também faz a comida, que é maravilhosa.
PRA QUEM ESTÁ CHEGANDO
Para os brasileiros que chegam aqui agora eu digo o seguinte: Realmente é difícil achar emprego, como em qualquer lugar do mundo. Porém acedito muito na perseverança. Às vezes a razão diz que não vai dar certo, mas continue a persistir. No Brasil uma oportunidade passa uma vez e demora pra passar de novo. Aqui passam várias oportunidades, basta escolher uma e abraçar.
Quando cheguei em Londres tinha mais ou menos uns 8 mil brasileiros. Hoje tem mais de 100 mil. Vejo um monte de brasileiros desempregados. A maioria chega analfabeto, surdo e mudo. Digo isso por causa da dificuldade da língua. Mas por mais difícil que seja, no Brasil ainda é mais difícil.
Tô aqui há 9 anos e todo mundo que eu vi que persistiu, deu certo de alguma forma, seja fazendo dinheiro, seja conseguindo um diploma, seja uma vivência de Londres, que é muito valida. Todo mundo consegue, mas tem que persistir.
Acho que as pessoas que estão vindo do Brasil pra cá têm que perder o medo de largar a vida que tem lá, próxima do apoio da família, da estabilidade. Vir pra cá e dar de cara com as dificuldades que a vida de imigrante pode oferecer. É legal a experiência de não saber pedir uma comida, não saber pedir uma informação, isso é engrandecedor. Na verdade, nada do que eu falar vai servir pra elas. Essas pessoas têm mesmo é que vir e encarar a realidade.
Estou aqui há 9 anos. Mas que as pessoas não pensem que eu deixei de ser brasileiro. Eu sou muito brasileiro, e nunca tive que me afastar dos brasileiros de Londres pra aprender inglês. Não se distancie, mas fique esperto porque pela própria dificuldade do país, o brasileiro teve que aprender a ser malandro.
Se a galera se unir, essa comunidade tem tudo pra dar certo. Quero que tenha mais gente fazendo o que eu tô fazendo. Quem tiver idéias de fazer projetos voltados pra divulgar a cultura do Brasil, fusão de culturas, aprendizado pra essa comunidade brasileira aqui, me procura. Estou aqui pra dar apoio. Quero é que mais e mais gente esteja fazendo coisas legais.
Para fazer essa boa idéia crescer, abri a Ginga Brasil Productions, uma produtora para receber material de músicos, CDs, releases, tudo o que for voltado pra área de música, dança e arte brasileira. Inclusive estou procurando músicos brasileiros para formar bandas e orquestras. Sucesso a todos e o trabalho continua!
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